Dec

19

Obras para conter crise somam R$ 5 bi

A pior seca das últimas décadas levantou diversos questionamentos sobre a falta de gestão de água e de investimentos no saneamento no Estado de São Paulo. Isso obrigou a Sabesp, o governo e especialistas do setor a repensarem o modelo de abastecimento. Principal companhia do setor no Estado, a Sabesp tratou de acelerar novos e antigos projetos. Alguns deles, porém, são criticados por especialistas, principalmente por terem custos altos para o benefício que vão proporcionar ou por não fazerem sentido no longo prazo.

Segundo levantamento feito pelo Valor a partir de informações coletadas com a Sabesp e com a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo, há oito projetos a serem implementados nos próximos anos. Juntos, vão custar cerca de R$ 5 bilhões e somam uma vazão adicional de 19,7 m3 /s. Na estimativa da Sabesp, devem adicionar uma produção de água de 10,4 m3 /s na Região Metropolitana de São Paulo até 2018. Os dois números não batem porque não é toda vazão que será transformada em produção de água para distribuição ao consumidor.

Antes da crise que reduziu drasticamente os níveis dos reservatórios, o consumo de água na região era de 70 m3 /s. Atualmente, com a redução da demanda por causa da crise, estima-se que o consumo esteja variando entre 50 m3 /s e 60 m3 /s.

Embora participe de todos os projetos, a Sabesp não será responsável pelo desembolso total. É o caso da Participação Público Privada (PPP) de São Lourenço, a obra mais cara de todas, que irá permitir o aproveitamento da água do Rio Juquiá pela Grande São Paulo. O consórcio vencedor é que vai arcar com a maior parte do aporte. A lista dos projetos conta ainda com duas obras de interligação, a construção de duas estações de reúso, duas obras de ampliação de estações de tratamento de esgoto, além da construção de 29 reservatórios em bairros da capital e do interior.

A PPP de São Lourenço deve trazer, em média, 4,7 m3 /s, por 83 km de adutoras. Dos R$ 2,6 bilhões previstos para a construção do sistema, a Caixa financiará cerca de R$ 1,82 bilhão e diz que a contrapartida da Sabesp será de R$ 261,2 milhões. O restante é de responsabilidade do consórcio vencedor da PPP, formado pelas construtoras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Os bancos Itaú e BTG Pactual, ao lado da Caixa, também participarão do financiamento com R$ 522,8 milhões. Diferentemente do informado pela Caixa, a Sabesp diz em nota que "o financiamento é de responsabilidade total do parceiro privado."

O mais polêmico dos projetos, a interligação do Rio Jaguari, da Bacia do Paraíba do Sul, com o Atibainha, do Sistema Cantareira, deve trazer, em média, 5,13 m3 /s. O tempo de execução previsto para finalização da obra é de 14 meses, mas ainda não há data de início. A Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo, que prevê investimento de R$ 830 milhões, aguarda uma resposta do governo federal sobre o projeto para definir questões de financiamento.

A obra vem sendo tema de uma grande negociação entre os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No início do ano, em apresentações feitas a investidores e analistas, a Sabesp chegou a citar um custo de R$ 504 milhões, que seria desembolsado pela própria empresa.

A terceira obra, que é a interligação do Rio Pequeno com o Reservatório Rio Grande, na represa Bilings, foi estimada em R$ 500 milhões, a serem desembolsados pela companhia. O projeto deve trazer cerca de 2,2 m3 /s para a represa, com previsão para ser entregue em setembro de 2015.

A Sabesp também vai investir em duas estações de reúso. Uma delas vai reforçar o Sistema Produtor Guarapiranga, com 2 m3 /s de volume de água adicionado. O investimento previsto para a obra é de R$ 250 milhões e a conclusão está prevista para setembro do ano que vem.

A outra estação de reúso deve adicionar 1 m3 /s de água ao Sistema Produtor Baixo Cotia. Com aporte estimado em R$ 275 milhões, a estação deve estar concluída também em setembro de 2015, segundo a Sabesp.

Os sistemas Guarapiranga e Rio Grande vão passar por obras de ampliação, com investimentos estimados em R$ 77,3 milhões e R$ 26,5 milhões, respectivamente. A capacidade de produção do Guarapiranga deve aumentar em 2 m3 /s gradualmente. Uma parte já foi entregue em novembro e mais 1 m3 /s de aumento deve ocorrer em setembro do próximo ano. Para o sistema Rio Grande, o volume de água adicionado será de 2,7 m3 /s, divididos em três etapas. A capacidade foi acrescida em 0,5 m3 /s já em setembro deste ano. No mesmo mês de 2015 o aumento será de 1 m3 /s. O restante, 1,2 m3 /s, será somado à capacidade do sistema em novembro de 2016.

Além disso, a Sabesp já está investindo R$ 169 milhões na construção de 29 reservatórios de água com capacidade entre 1,5 milhão e 15 milhões de litros de armazenamento.

Segundo cálculo do Valor, aproximadamente R$ 1,558 bilhão referente aos projetos virá dos caixas da Sabesp, sem considerar a interligação do Paraíba do Sul ao Cantareira, que ainda não tem definição.

Na visão de analistas, a empresa não deverá ter problemas para financiar as obras. Mauro Storino, diretor sênior da Fitch, lembra que a Sabesp tem um bom histórico de dívidas e facilidade para se financiar, tanto com bancos brasileiros como com estrangeiros.

Em uma avaliação geral sobre os projetos, engenheiros de água afirmam que o ideal seria que tivesse sido executado um plano global anteriormente. Eles também fazem algumas críticas pontuais sobre os projetos em desenvolvimento.

Em relação aos 29 reservatórios, por exemplo, os especialistas destacam que não adicionam capacidade de produção de água. "Algumas regiões têm problemas de abastecimento por falta de estrutura de distribuição. São reservatórios diários, que servem para corrigir o problema e não para trazer uma segurança adicional à Região Metropolitana de São Paulo", explicou o professor da Escola Politécnica da USP, especialista em reúso de água, José Carlos Mierzwa.

O professor questiona a escolha dos projetos feitos pela empresa e defende que existiriam outras alternativas com maior custo benefício. A conta é simples: com o valor investido na PPP de São Lourenço para adicionar 4,7 m3 /s de produção de água seria possível tratar 15 m3 /s de água para reúso, segundo cálculos de especialistas do setor.

Ivanildo Hespanhol, também professor da Poli/USP, considera que investimentos em adutoras e tubulações não deveriam estar entre as primeiras opções, por serem uma solução mais cara e antiquada. Ele sugere, por exemplo, cinco novas estações de reúso em São Paulo, que poderiam acrescentar entre 7 m3 /s e 12 m3 /s de água reutilizada à região.

Especialistas também defendem que um planejamento de longo prazo precisa ter mais foco no tratamento de esgoto. "A abordagem tem de ser integrada. Só pensar em aumentar oferta de água, só trazer mais água, não é sustentável, é o que fizemos até hoje e por isso estamos nessa situação", criticou Mierzwa. Hespanhol concorda e ressalta que a cada 100 m3 /s de água produzida, são gerados 80 m3 /s de esgoto.

Na avaliação do professor Rubem Porto, especialista em hidrologia da Poli/USP, esses projetos são importantes para lidar com a crise hídrica atual e é preciso pensar o abastecimento de água em várias frentes. O reúso de água, diz, é importante e deve se tornar uma tendência conforme o custo do tratamento for barateado. Para ele, trazer água de outras regiões, no entanto, é necessário. "As bacias locais não têm condição de produzir para a população que temos aqui."

A Sabesp não comentou os projetos por meio de um porta-voz. Procurada, a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos não disponibilizou porta-voz para falar sobre o assunto por estar em período de transição. O novo secretário, Benedito Braga, assumirá em janeiro, e o atual, Mauro Arce, não vai dar entrevista, segundo a assessoria de imprensa. Procurado também na USP, onde é professor, Benedito Braga não foi encontrado para conceder entrevista.

Por Olivia Alonso e Victória Mantoan

FonteValor Econômico

Compartilhe: